A fotografia é
uma das invenções mais interessantes e curiosas da humanidade. Seja em velhos
álbuns amarelecidos pelo tempo ou empilhadas dentro de caixas de papelão de
formatos e tamanhos diversos, lá estão momentos marcantes que decidimos
registrar por algum motivo. Geralmente ficam esquecidas por longo tempo, da
mesma forma que antigas lembranças que carregamos em nosso cérebro. Então, por
ocasião da visita de algum parente ou vizinho, desentocamos aquele passado, que
vai se revelando em meio ao pó e ocasionais teias de aranha.
Muitas vezes
acontece de olharmos determinada cena e lembrarmos como se fosse ontem como
tudo aconteceu, noutras franzimos a testa e ficamos a imaginar quando se deu
aquele fato. As roupas, penteados e calçados parecem saídos de algum filme
antigo, talvez ainda da época do preto e branco. Surpresas e sorrisos animados
são às vezes entremeados pela saudade e um aperto no peito, ao vermos sorrindo
para nós pessoas de cuja convivência não mais se pode desfrutar. Os rostos e
expressões daqueles que já se foram nos olham e podemos até ouvir suas vozes.
Escutamos uma vez mais seus conselhos, suas palavras de carinho e suas lições
de vida, num eco que nos chega de algum lugar, de algum tempo já quase
esquecido.
A fotografia
envolve uma grande contradição: quanto mais velhas, mais novos somos; quanto
mais novas, mais velhos somos. Em meio a tantos instantâneos que fizemos
questão de preservar, aparecem ocasionalmente fotos mutiladas, o corpo do
ex-marido ou ex-esposa não mais ali, numa tentativa de apagar em definitivo da
vida uma pessoa que não possui mais razão para estar ali. Ironicamente, é
exatamente pelo fato de estarem cortadas que lembramos as pessoas excluídas, de
forma ainda mais vívida! Uma vez tirada, uma foto será para sempre. Corre-se o
risco de lembrar com toda riqueza de detalhes até daquelas que queimamos, num
acesso de raiva ou desprezo.
Pode-se fazer
fotografia de tudo, mas nunca se faz impunemente. De algum modo, aquelas
lembranças estarão guardadas para sempre, seja para o bem ou para o mal. E
pensar que a maioria daquelas pessoas não mais existe. Até mesmo nossas
próprias fotos mostram pessoas que não mais existem, pois de acordo com a
ciência, a cada dez anos mais ou menos, cada uma das células de nosso corpo é
substituída, de modo que nada mais resta de nosso corpo original. De tempos em
tempos nos renovamos, nos transformando literalmente em outra pessoa. Junto com
nosso corpo, se vai também a maioria de nossas ideias e crenças, que também são
substituídas, por mais que teimemos em mantê-las conosco. Somos uma metamorfose
ambulante, como dizia o poeta.
Quando
folheamos velhos álbuns de fotos, nos damos conta de que as melhores, aquelas
mais marcantes e de que mais gostamos são sempre as que foram tiradas de
surpresa, o chamado flagra. Ali sim estamos como realmente éramos, o cabelo
desarrumado, a gravata torta, o dedo no nariz. As fotos de poses soam
artificiais e frias, parecemos manequins engomados estampando sorrisos
enlatados. Nada é natural ou espontâneo. Muito da magia do que foi a fotografia
se perdeu com a chegada da era digital. Só quem viveu essa época é que sabe o
quão grande era a expectativa para ver fotos que demoravam semanas ou meses
para ficarem prontas. Era uma alegria imensa receber e abrir os envelopes
lacrados e finalmente ver o resultado. Agora a magia se foi. Em minutos se
tiram duzentas fotos e se apaga todas, não se gosta de nenhuma, por mais
perfeita que fique. A graça não está mais na foto em si, na importância daquele
momento, mas na pose, na vontade de aparecer. Tudo é visto e consumido em segundos. Tem gente
que numa única viagem faz duas ou três mil fotos, um exagero que não encontra
sentido nem necessidade. Muitas vezes o lazer é deixado de lado, o show
grandioso bem a frente é visto através da minúscula tela da câmera ou do
celular. Nos tornamos canibais narcisistas insaciáveis, sem tempo nem memória.
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