sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Fotos velhas, memórias vivas



A fotografia é uma das invenções mais interessantes e curiosas da humanidade. Seja em velhos álbuns amarelecidos pelo tempo ou empilhadas dentro de caixas de papelão de formatos e tamanhos diversos, lá estão momentos marcantes que decidimos registrar por algum motivo. Geralmente ficam esquecidas por longo tempo, da mesma forma que antigas lembranças que carregamos em nosso cérebro. Então, por ocasião da visita de algum parente ou vizinho, desentocamos aquele passado, que vai se revelando em meio ao pó e ocasionais teias de aranha.
Muitas vezes acontece de olharmos determinada cena e lembrarmos como se fosse ontem como tudo aconteceu, noutras franzimos a testa e ficamos a imaginar quando se deu aquele fato. As roupas, penteados e calçados parecem saídos de algum filme antigo, talvez ainda da época do preto e branco. Surpresas e sorrisos animados são às vezes entremeados pela saudade e um aperto no peito, ao vermos sorrindo para nós pessoas de cuja convivência não mais se pode desfrutar. Os rostos e expressões daqueles que já se foram nos olham e podemos até ouvir suas vozes. Escutamos uma vez mais seus conselhos, suas palavras de carinho e suas lições de vida, num eco que nos chega de algum lugar, de algum tempo já quase esquecido.
A fotografia envolve uma grande contradição: quanto mais velhas, mais novos somos; quanto mais novas, mais velhos somos. Em meio a tantos instantâneos que fizemos questão de preservar, aparecem ocasionalmente fotos mutiladas, o corpo do ex-marido ou ex-esposa não mais ali, numa tentativa de apagar em definitivo da vida uma pessoa que não possui mais razão para estar ali. Ironicamente, é exatamente pelo fato de estarem cortadas que lembramos as pessoas excluídas, de forma ainda mais vívida! Uma vez tirada, uma foto será para sempre. Corre-se o risco de lembrar com toda riqueza de detalhes até daquelas que queimamos, num acesso de raiva ou desprezo.
Pode-se fazer fotografia de tudo, mas nunca se faz impunemente. De algum modo, aquelas lembranças estarão guardadas para sempre, seja para o bem ou para o mal. E pensar que a maioria daquelas pessoas não mais existe. Até mesmo nossas próprias fotos mostram pessoas que não mais existem, pois de acordo com a ciência, a cada dez anos mais ou menos, cada uma das células de nosso corpo é substituída, de modo que nada mais resta de nosso corpo original. De tempos em tempos nos renovamos, nos transformando literalmente em outra pessoa. Junto com nosso corpo, se vai também a maioria de nossas ideias e crenças, que também são substituídas, por mais que teimemos em mantê-las conosco. Somos uma metamorfose ambulante, como dizia o poeta.
Quando folheamos velhos álbuns de fotos, nos damos conta de que as melhores, aquelas mais marcantes e de que mais gostamos são sempre as que foram tiradas de surpresa, o chamado flagra. Ali sim estamos como realmente éramos, o cabelo desarrumado, a gravata torta, o dedo no nariz. As fotos de poses soam artificiais e frias, parecemos manequins engomados estampando sorrisos enlatados. Nada é natural ou espontâneo. Muito da magia do que foi a fotografia se perdeu com a chegada da era digital. Só quem viveu essa época é que sabe o quão grande era a expectativa para ver fotos que demoravam semanas ou meses para ficarem prontas. Era uma alegria imensa receber e abrir os envelopes lacrados e finalmente ver o resultado. Agora a magia se foi. Em minutos se tiram duzentas fotos e se apaga todas, não se gosta de nenhuma, por mais perfeita que fique. A graça não está mais na foto em si, na importância daquele momento, mas na pose, na vontade de aparecer. Tudo é visto e consumido em segundos. Tem gente que numa única viagem faz duas ou três mil fotos, um exagero que não encontra sentido nem necessidade. Muitas vezes o lazer é deixado de lado, o show grandioso bem a frente é visto através da minúscula tela da câmera ou do celular. Nos tornamos canibais narcisistas insaciáveis, sem tempo nem memória.

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