O concurso para o provimento de vagas do Magistério
gaúcho entrará para a história como aquele que teve o maior índice de
reprovação até hoje: mais de 90%. Um resultado como esse nos faz pensar em
algumas questões interessantes, levando-se em conta os péssimos índices que a
Educação vem apresentando em nosso estado. Muito mais do que promover uma caça
às bruxas, é preciso analisar as causas do fraquíssimo desempenho dos docentes.
Em primeiro lugar, temos que perceber que a estrutura
educacional é bastante complexa. A realidade vivida diariamente nas salas de
aula difere em muito daquela teorizada por pensadores como Vygotsky, Piaget ou
Perrenoud. As muitas mudanças pelas quais vem passando a sociedade atual trazem
consigo alunos para os quais é cada vez mais desafiador ministrar aulas. Os
novos arranjos (ou seria desarranjos?) da estrutura familiar criam crianças e
jovens que crescem desassistidos, desacompanhados de orientação e de quaisquer
responsabilidades. Rebeldes no sentido mais literal da palavra, poucos são os
adolescentes que ainda vêem na escola uma oportunidade de ter uma vida melhor
no futuro e de crescer intelectualmente.
A reprovação entre os estudantes, em vez de diminuir,
vem aumentando, e nem poderia ser de outra forma. Há uns 15 ou 20 anos, era
muito difícil um aluno faltar às aulas. Em dia de prova então, nem se fala.
Fazia-se de tudo para estar em aula e prestar aquela avaliação. Hoje, as listas
de chamada são xadrezes de tantas faltas. Muitos escolhem justamente o dia da
prova para faltar, para “escapar”, como costumam dizer. Em casa, poucos são os
pais e mães que ainda se importam, ninguém chama para as responsabilidades com
a escola.
O professor, enquanto isso, atende 14 turmas de alunos
toda semana. A cada avaliação que realiza, tem mais de 400 trabalhos para
corrigir. Como passa praticamente o tempo todo em sala de aula, é preciso levar
trabalho para casa, ou não conseguirá dar conta de tudo. Por mais que o
professor goste e queira estar atualizado, a rotina diária não lhe oferece
muitas oportunidades. Os mais apegados aos livros e estudos encontram algum
tempo nos finais de semana, aos demais não resta sequer isso.
A quantidade de alunos que cada professor tem reflete
diretamente na qualidade das suas aulas. Esta é uma verdade da qual estou
bastante convencido. Ao contrário do que se tem espalhado pela mídia
jornalística nestes últimos dias, o professor não possui “baixa capacidade
cognitiva”. Não somos retardados. Estamos, isso sim, inseridos numa realidade
para a qual, tenho certeza, nenhum de nós foi preparado. Quando saímos da
universidade não éramos professores. Tornamos-nos professores aos poucos. A
cada semana de trabalho, a cada discussão pedagógica, ao longo de cada ano.
Dos estudos ambiciosos dos pensadores europeus dos
séculos passados, passamos para salas de aula apinhadas, em que o conhecimento
de tantas teorias educacionais logo cede lugar à desafiadora realidade. De
repente, o pensamento inevitável: “o que fazer?”, “como preparar uma aula que
seja motivadora?” se a Escola parou no tempo, enquanto a sua volta tudo se
modernizou? O professor é acomodado, desleixado, preguiçoso? Muitos o são. Em
todas as profissões existem os maus profissionais, porém jamais se poderá
generalizar. Dada a rotina de trabalho imposta aos professores, não me
admiraria se o conhecimento recebido ainda durante a universidade fosse aos
poucos diminuindo, se bitolando. Com muitos de nós, é justamente isso o que
acontece. Para piorar, a indústria do livro didático faz o resto. Para um
grande contingente de professores, sem livro didático em mãos, acaba-se a aula.
Mas talvez seja isso mesmo o que se queira.
Professores não tão bem preparados significa cidadãos em igual situação e, por
isso mesmo, mais facilmente manipuláveis. Nesta grande engrenagem que é a
Educação no Brasil, é fácil enxergar que não está funcionando a contento, o
difícil mesmo é saber onde está o defeito. E ainda mais importante, se existe a
vontade para que seja solucionado.
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