segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A fronteira final



Na série de televisão Jornada nas Estrelas, produzida nos hoje distantes anos 60, havia um aparelho que sempre fascinou os telespectadores: o tricorder. Não muito grande, era parecido com um antigo gravador e uma de suas mais notáveis funções era diagnosticar doenças. Quando apontado para um ser humano, o dispositivo podia analisar todas as funções do organismo e indicar que doenças ou anormalidades a pessoa apresentava, bem como sugerir possíveis tratamentos.
Numa época de poucos recursos tecnológicos, a série apontava para um futuro distante e espantoso, no qual não havia limites para e criatividade e engenhosidade humanas. Durante décadas, algumas das maravilhas ali mostradas tornaram-se realidade e passaram a fazer parte da rotina das pessoas em todo o mundo. Os famosos comunicadores portáteis utilizados pelos personagens, parecem hoje uma boa tentativa de antecipação daquilo que viria a ser o telefone celular, por exemplo. No entanto, em muitos aspectos estamos vivendo num tempo que às vezes chega a ultrapassar as criações dos roteiristas de ficção científica.
Recentemente, alguns pesquisadores da Universidade de Berkeley, na Califórnia, desenvolveram um programa de computador capaz de ler pensamentos. Por meio de eletrodos implantados no cérebro humano, a máquina analisa as ondas cerebrais do paciente e depois consegue converter os sinais elétricos novamente em palavras, que são transcritas numa tela. A tecnologia criada por um time de neurocientistas ainda está em uma fase muito primária, mas as perspectivas são realmente espantosas. De acordo com os estudiosos, muitas serão as aplicações deste invento, abrangendo desde a área da medicina até a possível solução de crimes misteriosos.
As pessoas acometidas por derrames ou doenças degenerativas do cérebro, e que perderam a capacidade de se comunicar através da fala, poderão ter seus pensamentos lidos e traduzidos em palavras, e assim continuarão a interagir com outros seres humanos, mesmo com todas as limitações que apresentam. Na área forense as possibilidades são ainda maiores. Pense nos diferentes rumos que uma investigação criminal poderá tomar, quando um suspeito prestar depoimento sob o escrutínio de um equipamento como esse. Mesmo que minta falando, o computador poderá analisar suas ondas cerebrais e extrair a verdade escondida ali, quer o indivíduo queira, quer não.
Restrito aos centros de pesquisa, universidades ou hospitais a máquina poderá fazer maravilhas. Porém, imaginemos por um momento uma versão portátil digamos assim, para uso doméstico. Os resultados seriam desastrosos.
Com muita facilidade, nosso chefe saberia o que pensamos dele! Colegas de trabalho ou pessoas próximas poderiam usar a máquina para saber o que se passa nos locais mais recônditos do nosso cérebro. Ao chegar em casa um pouco mais tarde que o habitual, o marido normalmente afirmaria que “passei no bar pra tomar uma cervejinha com os amigos”, porém a leitura de seu cérebro poderia revelar algo muito mais perturbador. Da mesma forma, aquele encontro com as amigas na tarde de sábado poderia revelar atividades insuspeitas por parte da esposa ou namorada. Não importa o que fizéssemos, não haveria mais forma de mantermos nossos pensamentos a salvo. Estaríamos sempre a descoberto, revelando nossos segredos mais sombrios a quem quer que tivesse curiosidade para dar uma pesquisada. Para os fofoqueiros, seria o paraíso.
Não tenho dúvidas em afirmar que a sociedade como a conhecemos seria desfeita em pouquíssimo tempo. As relações humanas seriam impossíveis. Os moralistas logo teriam seus pensamentos devassos expostos. Seria obrigatoriamente cada um por si, do jeito que desse. Um verdadeiro caos. Para nosso próprio bem, o melhor mesmo é que cada pessoa tenha acesso somente a seus próprios pensamentos. Existem fronteiras que talvez não devam ser ultrapassadas.

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