sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A polêmica do aborto


Nestas semanas que antecedem as eleições presidenciais no Brasil, o aborto tornou-se o assunto mais comentado e discutido na TV, entre os candidatos, e fora dela, pela sociedade brasileira. Apesar de ter avançado significativamente frente ao cenário internacional, o país ainda abriga um moralismo que assusta, colocando sob o controle do Estado uma questão puramente feminina. Desse ponto de vista, estamos em pé de igualdade com os países mais atrasados do mundo, como o Afeganistão, por exemplo, onde a mulher tem a mesma autonomia que os animais domésticos.
A discussão sobre a descriminalização ou não do aborto já vem se estendendo a um bom tempo no país. Recentemente, em 19 de maio de 2010, foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados o Estatuto do Nascituro, que visa proibir o aborto em todas as circunstâncias. Na maioria dos países que compõem a Europa e demais países desenvolvidos, o aborto pode ser praticado sem que haja quaisquer restrições. Tal situação contribuiu enormemente para a diminuição das diferenças entre os gêneros, dando autonomia à mulher para que decida por ela mesma sobre sua sexualidade e seu corpo.
Na Câmara dos Deputados, são numerosos os parlamentares que se dizem ferrenhos opositores do aborto, independentemente das circunstâncias, alegando estarem a serviço de suas Igrejas ou convicções religiosas. Em relação ao cumprimento do dever relativo a um cargo eletivo, convém lembrar que os Deputados devem sobretudo satisfazer as necessidades e expectativas de seus eleitores, bem como a obediência à Constituição Federal, sendo que esta, em seu artigo 226, parágrafo 7º, proíbe o Estado de aplicar qualquer restrição em relação a autonomia reprodutiva.
Ainda em relação às religiões, devemos lembrar que o Estado garante o divórcio e um novo casamento, da mesma forma que os órgãos de saúde recomendam o uso da camisinha, práticas notadamente condenadas pela Igreja Católica. O não uso da camisinha expõe as pessoas ao risco de inúmeras doenças, além de promover o nascimento de filhos indesejados, que acabam na miséria ou na criminalidade. Fica difícil entendermos tais posicionamentos de parte dos religiosos, que se dizem defensores da vida humana e do bem comum.
Pelo fato de o aborto ser considerado crime pelo Código Penal Brasileiro, muita gente se ilude, imaginando que não se pratica mais. Sabe-se que no Brasil são praticados cerca de um milhão de abortos a cada ano, muitas vezes em condições péssimas, o que acaba causando a morte de cerca de 9% das mulheres, devido a infecções, perfuração do útero ou outras complicações sérias. Da forma como está, a Lei brasileira contribui para manter as desigualdades sociais, já que as mulheres que têm condições financeiras acabam procurando clínicas bem equipadas e pagando médicos especializados, quer haja proibição ou não.
Percebe-se que o controle do Estado em relação ao aborto, reflete uma mentalidade ainda enraizada no machismo e nas crenças religiosas, que preferem ignorar os direitos individuais em favor de aspirações puramente utópicas e fora da realidade. Nos casos de estupro, por exemplo, as crianças “devem ser acolhidas” ou ainda “encaminhadas para adoção”. E o impacto psicológico que representa para essas mães? E quantos casais estarão dispostos a adotar uma criança, ao saberem que esta é resultado de um estupro? São questões que permanecerão ainda por bastante tempo como alvo de discussão, e provavelmente nem Dilma nem Serra, durante o tempo que durar seus mandatos, poderão resolver.

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