Dia nublado

Ainda de manhã cedinho, logo nos primeiros cliques pelo Facebook, o post de um amigo anuncia e lamenta a perda de um conhecido. Com uma curiosidade mórbida, visito aquele perfil e vejo fotos alegres, festas com amigos, sorrisos largos. A menos de um mês, as atualizações de status deixavam claro sua paixão pela vida, seus sonhos, seus lamentos e decepções. De uma hora para outra, mensagens e mais mensagens evidenciam o pesar e as saudades que ficarão pra sempre.

Fecho a tampa do notebook e saio da cama meio a contragosto. Pela janela, sinto no rosto uma lufada de vento gelado e vislumbro o dia sem sol que se inicia. Enquanto o creme dental sai do tubo e desenha uma lagarta verde sobre a escova, sou levado a refletir sobre a morte. Por mais que nos esforcemos para pensar que se trata de algo comum, será para sempre o maior e mais insondável dos mistérios. Muitas vezes consideramos nossa existência penosa e difícil, mas como será a sensação do não existir?! Como é possível que um cérebro que hoje pensa, um corpo que se movimenta e que sorri, possa sem mais nem menos deixar este plano e desaparecer por completo?

Como podem todas as preocupações e afazeres diários que temos, de repente deixarem de existir junto conosco? As roupas impecáveis no armário, jamais serão novamente tocadas por nossas mãos. Nossos entes queridos, objetos pessoais e animais de estimação, pelos quais nutríamos estima e amor incondicionais, nunca mais tornarão a desfrutar de nossa companhia. Vínculos que julgávamos eternos se rompem para todo o sempre, de forma inesperada e definitiva.  As lembranças, embora permaneçam, vão aos poucos diminuindo com o passar do tempo, a saudade dando lugar à sabedoria e ao entendimento das cruezas da vida.

Volto a abrir o computador e lá estão as fotos, o sorriso, a vida que parece saltar aos olhos, embora não mais exista. Saio para a rua e caminho a passos apressados, a neblina acinzentada envolve a tudo como um véu. Por trás da camada de nuvens espessas uma mancha mais clara em tom alaranjado parece indicar que um sol ainda tímido talvez apareça, quem sabe mais para o final do dia.