Ser escritor no Brasil é dureza. Não
bastasse o mercado editorial restrito, que de modo geral só dá espaço para
autores que tenham um nome já consolidado, o artífice das letras sofre ainda
com a estranheza e distanciamento da maior parte das pessoas, que o veem como
um pária, quase um alienígena que vive exclusivamente para ler e escrever. Um
escritor não come, não bebe, não põe o dedo no nariz, não toma sorvete, não faz
sexo. Ou melhor, é provável que faça sexo com seus livros.
Em grande parte, somos nós mesmos os
culpados pelo desenvolvimento dessa mentalidade canhestra. Adoramos posar para
fotos eternamente com um livro nas mãos ou então em frente a enormes estantes
cheias de livros ou ainda ambos. Quando vemos um médico dando entrevistas ou
falando sobre o seu trabalho jamais o veremos ao lado do paciente numa sala de
cirurgia, segurando um dedo amputado ou um pulmão canceroso, enquanto sorri
para a câmera. Não sei de onde o escritor tirou essa ideia fixa, essa obsessão
por mostrar que vive sempre lendo ou escrevendo. É natural que as pessoas se
sintam deslocadas, afinal mostrar que se lê e escreve num país de não leitores é
como falar das vantagens e benefícios do vegetarianismo numa comunidade de
canibais.
Por estranho que pareça, adoramos falar
do aspecto humano da literatura, mas parece que esquecemos que o somos. Está na
hora de nos desnudarmos, pelo menos um pouco e mostrar que não viemos de algum
recanto perdido da galáxia, que somos indivíduos comuns como quaisquer outros,
porém com uma visão um pouco mais apurada sobre o mundo e a vida. Em nossas
palestras, esforçamo-nos tanto para mostrar o aspecto prazeroso da literatura,
mas parece que nossa vida não possui qualquer prazer ou lazer, que somos
obrigados a devotar toda a nossa existência aos livros, vivendo numa espécie de
ilha intelectual cercada de escritores por todos os lados.
Se
quisermos que o público perceba o quanto a leitura e a escrita trazem
benefícios e nos engrandecem como seres humanos, é preciso mostrar que além de
ler e escrever também vamos ao supermercado, cozinhamos, recolhemos o lixo ou
lavamos pratos. O caráter universalizante da literatura se dá justamente pelos
traços que nos tornam comuns e que nos unem aos demais seres humanos, nunca
pela exclusividade, pela extravagância ou pela excentricidade.
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