sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O escritor é o algoz de si mesmo



Ser escritor no Brasil é dureza. Não bastasse o mercado editorial restrito, que de modo geral só dá espaço para autores que tenham um nome já consolidado, o artífice das letras sofre ainda com a estranheza e distanciamento da maior parte das pessoas, que o veem como um pária, quase um alienígena que vive exclusivamente para ler e escrever. Um escritor não come, não bebe, não põe o dedo no nariz, não toma sorvete, não faz sexo. Ou melhor, é provável que faça sexo com seus livros.
Em grande parte, somos nós mesmos os culpados pelo desenvolvimento dessa mentalidade canhestra. Adoramos posar para fotos eternamente com um livro nas mãos ou então em frente a enormes estantes cheias de livros ou ainda ambos. Quando vemos um médico dando entrevistas ou falando sobre o seu trabalho jamais o veremos ao lado do paciente numa sala de cirurgia, segurando um dedo amputado ou um pulmão canceroso, enquanto sorri para a câmera. Não sei de onde o escritor tirou essa ideia fixa, essa obsessão por mostrar que vive sempre lendo ou escrevendo. É natural que as pessoas se sintam deslocadas, afinal mostrar que se lê e escreve num país de não leitores é como falar das vantagens e benefícios do vegetarianismo numa comunidade de canibais.
Por estranho que pareça, adoramos falar do aspecto humano da literatura, mas parece que esquecemos que o somos. Está na hora de nos desnudarmos, pelo menos um pouco e mostrar que não viemos de algum recanto perdido da galáxia, que somos indivíduos comuns como quaisquer outros, porém com uma visão um pouco mais apurada sobre o mundo e a vida. Em nossas palestras, esforçamo-nos tanto para mostrar o aspecto prazeroso da literatura, mas parece que nossa vida não possui qualquer prazer ou lazer, que somos obrigados a devotar toda a nossa existência aos livros, vivendo numa espécie de ilha intelectual cercada de escritores por todos os lados.
Se quisermos que o público perceba o quanto a leitura e a escrita trazem benefícios e nos engrandecem como seres humanos, é preciso mostrar que além de ler e escrever também vamos ao supermercado, cozinhamos, recolhemos o lixo ou lavamos pratos. O caráter universalizante da literatura se dá justamente pelos traços que nos tornam comuns e que nos unem aos demais seres humanos, nunca pela exclusividade, pela extravagância ou pela excentricidade.

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