O que dizer diante da tragédia de Santa
Maria, a maior do estado e uma das maiores do mundo? O domingo que nasceu cheio
de sol e brilho, logo se escureceria com a fumaça negra, com os gritos abafados
por socorro, com as vidas que se perdiam tão precocemente. Acordamos naquela
manhã e parece que ainda não dormimos, o cérebro ainda não conseguiu assimilar
o horror de uma realidade que às vezes vemos pela televisão, que nos parece
sempre longe, sempre irreal.
Em meio aos celulares tocando sem parar
sobre o peito dos mortos, em meio aos corpos empilhados e as pessoas que correm
desesperadas ou se abraçam procurando algum conforto, uma única constatação: a
vida humana é cheia de incertezas e pode acabar num piscar de olhos. Quando
acordamos a cada manhã e vemos nosso rosto no espelho, como nos enganamos!
Nossa vaidade e arrogância nos leva a pensar que viveremos para sempre, que
nada pode nos atingir. Como nos enganamos. No dia-a-dia, quantas vezes agimos
mesquinhamente. Deixamos de dizer bom dia a um amigo por preguiça, deixamos
passar a oportunidade de oferecer um abraço, um sorriso, um aperto de mão.
Quando discutimos com pais, mães, namorados, esposas, maridos e filhos, sempre
vemos uma continuidade, sempre pensamos que a vida prosseguirá e que as
desculpas virão, mas talvez não venham.
A pessoa que hoje ofendemos, destratamos
ou desrespeitamos e agradecemos ao ver pelas costas, talvez amanhã descanse naquele
espaço pequeno e escuro reservado a todos nós. De que terá adiantado nossa
estupidez, nossa falta de humanidade, de bom senso? Quando vidas tão jovens se
perdem para sempre, independente de ter ou não laços de sangue, somos todos
atingidos, golpeados naquilo que nos há de mais profundo: o sentimento de mortalidade,
de finitude da vida. De forma repentina e avassaladora, somos confrontados com a
morte e damo-nos conta de que o dia de hoje pode sim ser nosso último. Qual a
sensação de não mais viver, de não existir? O mistério supremo que aguarda a
cada um de nós.
Golpeadas no âmago da existência, as
pessoas em sua maioria rezam, pedem que deus lhes dê algum conforto. Que deus é
esse que permite que centenas de jovens cheios de sonhos e de sorrisos morram
em meio ao desespero e ao pânico? Se
para deus tudo é possível, porque então não evitar a perda de tantas vidas?
Tais perguntas só podem ter uma resposta: deus não está lá. Perdidos e
desamparados em meio aos sofrimentos e provações impostos pela vida, estamos
sós, como sempre estivemos. Nossos medos e fraquezas criaram um ser superior
que é todo bondade mas tira vidas de forma implacável, que julga e pune
indiscriminadamente e ainda assim exige ser adorado sobre tudo e todos.
O ser humano é um misto de soberba e de
insegurança, de fortaleza e de fragilidade, de dúvidas e de certezas,
sentimentos que se alternam aqui e ali, pela vida afora. A única certeza é que
estamos sós com nossas dores e medos, com nossas provações e por isso mesmo
precisamos aprender a ser fortes e a suportar os fardos que a vida deposita em
nossas costas. As vidas perdidas, os sonhos desfeitos não retornarão, porém
tenho certeza que jamais serão esquecidos, jamais deixarão de habitar os corações
dos familiares hoje inconsoláveis. Todos aqueles jovens, apesar do pouco tempo
em que estiveram entre nós, quanta alegria, quantos sorrisos, quantas lições de
vida terão deixado. As boas lembranças não morrerão jamais.
Há
décadas o Brasil não sentia a perda e o vazio que hoje sentimos. Pelas ruas,
pelas calçadas, parece que falta algo às pessoas. Os rostos tristonhos e
cabisbaixos deixam claro que algo lhes foi tirado, que a vida foi modificada ou
pelo menos que está sendo revista. Resta agora a saudade, o sentimento de perda
e o desejo profundo de que algo assim jamais venha a se repetir aqui ou em
qualquer lugar do mundo. Daqui pra frente, quando acordarmos a cada nascer do
sol, que sejamos capazes de lembrar o quanto a vida é frágil e efêmera. O mundo
que hoje vemos em todo seu colorido e esplendor, amanhã pode não estar mais ao alcance
dos olhos. O ser cheio de vida e saúde cuja imagem hoje vemos refletida no
espelho, pode num piscar de olhos não mais existir. De repente o não ser.
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