Esta semana um
amigo presenciou uma cena inusitada, enquanto viajava de trem pela grande Porto
Alegre: no espaço reservado às gestantes, deficientes e idosos, uma senhora de
idade viajava sentada, tendo a seu lado uma jovem adolescente, enquanto outros
idosos viajavam em pé, naquele mesmo carro. Em dado momento do trajeto, um
homem se aproximou das duas e, de dedo indicador em riste, começou a xingar
pesadamente a jovem, dizendo que ela devia tomar vergonha e ceder lugar aos mais
velhos, já que possuíam espaço reservado por direito em todos os vagões.
Por mais bem
intencionado que estivesse esse homem, que direito tem ele de interferir na
liberdade individual das pessoas? Até que ponto alguém que nunca nos viu, nem
de longe sabe quem somos, tem o direito de querer nos passar um sermão, ainda
por cima em público, causando constrangimento e humilhação? Mesmo tendo lugar reservado
para si, os idosos, até por serem já aposentados, talvez estivessem muito mais
descansados do que aquela jovem, que poderia estar indo pra casa depois de um
dia inteiro de trabalho, sem sentar um minuto sequer. Não seria muito mais
justo que um dos idosos tivesse solicitado para que ela saísse, se fosse este o
caso? É para isso que a comunicação existe, para que haja o diálogo e o
entendimento, sem a necessidade de grosserias.
Esse homem,
esse ilustre desconhecido por certo deve se considerar uma pessoa “do bem”,
como parece estar em moda atualmente. Ninguém quer ser ou se considera “do
mal”, todos são “do bem”.
Agora que as
eleições municipais passaram, muito se ouve comentários como: “vencemos mas a
gente mereceu, somos do bem!”, ou então “não sei como fomos perder, se a gente
é do bem!” O bem ou o mal são de forma geral uma simples questão de ponto de
vista. A partir de nossa própria perspectiva, o mal é representado sempre pelo
outro, jamais por nós mesmos. É preciso que acabemos de vez com essas ideias
reducionistas, que contribuem para que cada vez mais se perpetue a noção de que
o mundo é um eterno campo de batalha entre o bem e o mal. Nossa vida não é
regulada desta forma. Não são o bem ou mal que sopram nos nossos ouvidos de que
maneira devemos agir, mas sim os interesses pessoais, financeiros, as alianças
que poderão render bons frutos no futuro. Cada um de nós age com vistas a obter
algum tipo de vantagem. Talvez isto seja condenável do ponto de vista moral,
biologicamente, no entanto, trata-se de algo maravilhoso, pois tem por objetivo
garantir a nossa própria sobrevivência e a dos nossos descendentes.
Ao longo de
toda a nossa vida, já assistimos a tantos filmes, novelas e desenhos animados,
que agimos de forma automática, querendo transpor para o mundo real a luta
entre bem e mal que sempre vimos ser travada na telinha da TV ou do cinema.
Teimosamente, nosso cérebro insiste em querer classificar as pessoas como sendo
pertencentes a dois grupos: ou são do bem, ou são do mal. Eu mesmo, é claro,
sou sempre do bem. Quando fazemos parte de um grupo, o mal é sempre
representado pelo outro, não importa qual seja o contexto.
No mais das
vezes, esquecemos que a luz também não existiria sem a escuridão, que da
destruição é que nasce o novo. É preciso destruir para que seja possível fazer
algo novo, reciclar. A existência humana é um eterno fazer e refazer, destruir
e reconstruir e na maioria das vezes o conceito de bem e mal é relativo, não
sendo possível aplicá-lo, a não ser talvez em situações que atentem contra a
vida. Parece-me que a mania de classificar o outro como sendo “do mal” é sempre
para nos colocarmos do lado do bem ou então para que passemos por mais fracos, chamando
atenção para um falso “coitadismo”. Não somos do bem nem do mal, queremos mesmo
é tirar alguma vantagem e “se dar bem”, deixando para trás os concorrentes. É
maior regra da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário