terça-feira, 9 de outubro de 2012

Somos “do bem”, já eles...



Esta semana um amigo presenciou uma cena inusitada, enquanto viajava de trem pela grande Porto Alegre: no espaço reservado às gestantes, deficientes e idosos, uma senhora de idade viajava sentada, tendo a seu lado uma jovem adolescente, enquanto outros idosos viajavam em pé, naquele mesmo carro. Em dado momento do trajeto, um homem se aproximou das duas e, de dedo indicador em riste, começou a xingar pesadamente a jovem, dizendo que ela devia tomar vergonha e ceder lugar aos mais velhos, já que possuíam espaço reservado por direito em todos os vagões.
Por mais bem intencionado que estivesse esse homem, que direito tem ele de interferir na liberdade individual das pessoas? Até que ponto alguém que nunca nos viu, nem de longe sabe quem somos, tem o direito de querer nos passar um sermão, ainda por cima em público, causando constrangimento e humilhação? Mesmo tendo lugar reservado para si, os idosos, até por serem já aposentados, talvez estivessem muito mais descansados do que aquela jovem, que poderia estar indo pra casa depois de um dia inteiro de trabalho, sem sentar um minuto sequer. Não seria muito mais justo que um dos idosos tivesse solicitado para que ela saísse, se fosse este o caso? É para isso que a comunicação existe, para que haja o diálogo e o entendimento, sem a necessidade de grosserias.
Esse homem, esse ilustre desconhecido por certo deve se considerar uma pessoa “do bem”, como parece estar em moda atualmente. Ninguém quer ser ou se considera “do mal”, todos são “do bem”.
Agora que as eleições municipais passaram, muito se ouve comentários como: “vencemos mas a gente mereceu, somos do bem!”, ou então “não sei como fomos perder, se a gente é do bem!” O bem ou o mal são de forma geral uma simples questão de ponto de vista. A partir de nossa própria perspectiva, o mal é representado sempre pelo outro, jamais por nós mesmos. É preciso que acabemos de vez com essas ideias reducionistas, que contribuem para que cada vez mais se perpetue a noção de que o mundo é um eterno campo de batalha entre o bem e o mal. Nossa vida não é regulada desta forma. Não são o bem ou mal que sopram nos nossos ouvidos de que maneira devemos agir, mas sim os interesses pessoais, financeiros, as alianças que poderão render bons frutos no futuro. Cada um de nós age com vistas a obter algum tipo de vantagem. Talvez isto seja condenável do ponto de vista moral, biologicamente, no entanto, trata-se de algo maravilhoso, pois tem por objetivo garantir a nossa própria sobrevivência e a dos nossos descendentes.
Ao longo de toda a nossa vida, já assistimos a tantos filmes, novelas e desenhos animados, que agimos de forma automática, querendo transpor para o mundo real a luta entre bem e mal que sempre vimos ser travada na telinha da TV ou do cinema. Teimosamente, nosso cérebro insiste em querer classificar as pessoas como sendo pertencentes a dois grupos: ou são do bem, ou são do mal. Eu mesmo, é claro, sou sempre do bem. Quando fazemos parte de um grupo, o mal é sempre representado pelo outro, não importa qual seja o contexto.
No mais das vezes, esquecemos que a luz também não existiria sem a escuridão, que da destruição é que nasce o novo. É preciso destruir para que seja possível fazer algo novo, reciclar. A existência humana é um eterno fazer e refazer, destruir e reconstruir e na maioria das vezes o conceito de bem e mal é relativo, não sendo possível aplicá-lo, a não ser talvez em situações que atentem contra a vida. Parece-me que a mania de classificar o outro como sendo “do mal” é sempre para nos colocarmos do lado do bem ou então para que passemos por mais fracos, chamando atenção para um falso “coitadismo”. Não somos do bem nem do mal, queremos mesmo é tirar alguma vantagem e “se dar bem”, deixando para trás os concorrentes. É maior regra da vida.

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