Nunca fui lá muito chegado em novelas, a não ser
talvez quando era criança. Naquele tempo, uma lembrança ainda muito viva é a de
caminhar apressado ao final da tarde, da roça para casa na companhia de minha
mãe, para tentar conseguir ver ainda um pedacinho de Jerônimo, o herói do sertão, na época de sua refilmagem pelo SBT.
Misto de novela e faroeste, cada capítulo era cheio de brigas e tiroteios,
deixando sempre o herói metido em alguma enrascada no final, para prender a atenção
do telespectador, bem à moda dos antigos seriados que passavam antes das
sessões de cinema.
Depois disso, à medida que fui crescendo e
acompanhando outras dessas histórias, aprendi que por mais longa que seja, uma
novela pode ser vista sem prejuízo nenhum para o entendimento da trama,
assistindo-se a apenas dois capítulos: o primeiro e o último. Em alguns casos,
somente o último já basta, pois é onde todos os mistérios, todos os conflitos,
por mais absurdos que possam parecer, se resolvem de forma milagrosa e isso em
alguns poucos minutos. Escrever uma novela para a televisão envolve alguns
aspectos que fazem dessa tarefa algo muito diferente de escrever um livro. A
construção de um livro é uma tarefa solitária, a história já chega pronta para
o leitor. O autor a imagina e produz o texto sozinho. A novela é ditada pela
audiência, pelo público que acompanha.
Na história da televisão brasileira, muitas novelas
foram encurtadas ou aumentadas, dependendo do gosto do povo. Geralmente, quanto
mais traições amorosas, brigas e baixaria melhor. Ultimamente, um elemento vem
se repetindo sempre: um pouco antes do final acontece algum assassinato, para
que o telespectador tente adivinhar “quem matou fulano ou fulana”. Talvez
influenciadas pelos filmes de suspense, as novelas ganham ares de histórias de
detetive, das quais acabam virando paródias mal feitas e com muitos furos no
roteiro. Para o autor nem é preciso grandes esforços criativos, dada a
inteligência do público. Com a ajuda das revistas de fofoca, das redes sociais
e da própria TV, a audiência das novelas vem aumentando cada vez mais, nos
últimos anos.
Avenida
Brasil, cujo capítulo final foi ao ar
na semana passada, bateu recordes e foi notícia até mesmo em alguns jornais da
Europa. No horário, cerca de 70% dos aparelhos de TV estavam ligados na novela.
A curiosidade para descobrir mais uma vez o assassino, desta vez de um tal Max,
chegou até mesmo a forçar o adiamento de um comício entre os candidatos ao
governo de São Paulo. Nem a presença da Presidente Dilma foi suficiente para afastar
a perspectiva de um comício vazio. Escravizado pela mídia e pobre em cultura e
informação, o povo brasileiro prefere se anular das questões sociais e
políticas, dos problemas que afligem o país e exigem que se reflita sobre possíveis
soluções. Descobrir o assassino da novela ou o que aconteceria com a Carminha
parecia ser uma questão de vida ou morte. É impressionante como as pessoas se
deixam envolver por algo tão sem sentido. Uma semana ou duas depois, ninguém
mais se lembrará de nenhum dos personagens. Certamente já estarão envolvidos
com os “mistérios” de outra novela, enriquecendo de forma incalculável as
emissoras de televisão. Trinta segundos de propaganda no horário da novela
chegam a ser vendidos a incríveis 300 mil reais ou mais, dependendo do
anunciante.
O encanto exercido pelas novelas sobre a população
escapa a qualquer tentativa de explicação racional. Um dos maiores apelos sem
dúvida é o consumismo, já que a realidade vivida pelos personagens faz parte da
vida de uns 3% da população. Mansões, carros luxuosos e mulheres gostosonas desfilam
na telinha todas as noites, atraindo as pessoas da mesma forma que as máquinas
de assar frangos atraem os cães nas calçadas da rua. Nenhuma lição de vida,
nenhum bom exemplo, nada se pode tirar de proveitoso. Da mesma forma que tantos
personagens antes dela, Carminha cumpriu seu principal objetivo: deu valiosa
contribuição para a imbecilização coletiva, num país já tão embrutecido e
empobrecido culturalmente. Merece uma salva de palmas.
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