Em 2008
a escritora americana Stephenie Meyer tomou de assalto o
mercado editorial com sua trilogia Crepúsculo, que venderia milhões de livros
mundialmente. Bebendo na fonte de Bram Stoker, o autor de Drácula, Meyer preferiu
deixar de lado os castelos medievais, as catacumbas e os vilarejos góticos e
“recriar” a lenda dos vampiros, transpondo seu enredo para o mundo moderno e
urbano. Em vez de viver em lugares escuros, dormir em caixões e se alimentar de
sangue humano, os vampiros aqui tomam a forma de indivíduos burgueses e
andróginos que preferem usar sangue de animais como alimento e agem de modo
politicamente correto. Drácula, um dos personagens mais emblemáticos e
assustadores da literatura mundial, deve estar até hoje se remexendo em seu
caixão...
Lidando com situações e dilemas enfrentados por
multidões de meninas que sonham encontrar seu príncipe encantado, não é de
admirar que Meyer tenha enriquecido da noite para o dia, não apenas com as
vendas de seus livros como também com as adaptações para o cinema, compradas é
claro, a peso de ouro. A história de um amor impossível contada pela autora em
sua trilogia saiu da ficção e ganhou o mundo real quando Kristen Stewart e
Robert Pattinson, intérpretes do casalzinho brega do romance, começaram a
namorar de verdade. Pelo mundo afora, suspiros de milhões de meninas podiam ser
ouvidos. Era tudo o que as fãs queriam, sonhavam, rezavam talvez, para que
acontecesse. Tal como num passe de mágica proporcionado pela força do inconsciente
coletivo, era como se a história do livro de repente saísse das páginas e
ganhasse vida. Era o casal perfeito. Era lindo. Era maravilhoso.
E claro, quando as maravilhas são demais, algo tem
sempre que dar errado. E deu mesmo: Kristen chifrou Robert. Simples assim.
Nesses últimos dias, fãs do mundo inteiro têm tentado
entender o porquê de algo tão “trágico” ter acontecido. Será mesmo que houve
traição? Teria sido só um namorico bobo ou teve sexo com o diretor de cinema já
quarentão? Afinal, o que leva as pessoas a traírem? Por quê? Por quê? Por quê?
Em meio a toda sorte de especulações, mensagens de ódio à atriz, de
solidariedade ao ator traído e até ameaças de boicote aos futuros filmes de
Kristen, muitas são as teorias e discussões. Surgem dezenas, centenas de
possíveis explicações, que por sua vez dão margem a mais e mais possibilidades.
Fãs dos livros e filmes não se conformam com o “final infeliz” da história de
amor que nasceu na literatura para morrer na vida real.
Temas como a traição amorosa ou o comportamento dos
serial killers, por exemplo, sempre acabam virando alvo de muitas teorias,
estudos, pesquisas e tentativas de se encontrar algum padrão, algo que sirva de
motivação ou exista de comum entre milhares ou mesmo milhões de casos. Esse desejo
por enxergar um padrão, decifrar ou explicar algum comportamento humano é tão
antigo quanto nós mesmos, está enraizado nos nossos genes, já faz parte de nós.
Para a grande decepção de todos que buscam essas respostas ou explicações, tais
padrões simplesmente não existem. Cada caso é um caso, com suas
particularidades, aspectos motivadores e uma infinidade de outras variáveis.
Por mais que se espalhem crendices como “os homens são todos iguais”, “as
mulheres traem mais”, “os homens traem mais”, “as mulheres buscam sempre o
amor, os homens buscam sempre o sexo”, o comportamento humano é muitíssimo mais
complexo que todas essas bobagens.
O conjunto de experiências de vida de cada indivíduo é
tão particular, tão íntimo que fica impossível querer comparar com “casos
parecidos” e colocar um grupo de pessoas num mesmo saco, como se diz. Kristen
não podia ter traído Robert? Talvez não do ponto de vista moral, porém ela é um
ser humano como qualquer outro, e portanto sujeita às tentações. Por que essa
mania de querer logo julgar e condenar as atitudes das pessoas, sem sequer
conhecer suas motivações ou as origens de seu comportamento?
Que sirva de lição: a vida real nem sempre é feita de
finais felizes. A maçã vermelha na capa do primeiro livro da saga é o símbolo
perfeito. Representa o amor impossível entre Isabella e Edward, representa uma
tentação. E se a personagem hesita, sente medo e insegurança, é Kristen quem se
aventura e tasca a primeira mordida. Em seu caixão escuro e úmido, Drácula
certamente se sente vingado e comemora.
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