quinta-feira, 29 de março de 2018

Felizes são os peixes?


Durante minha infância e boa parte da adolescência, nunca consegui entender o motivo de não se comer carne bovina, de porco ou de frango na "Sexta-feira Santa", e sim peixes em geral. Nas aulinhas da catequese dominical, a professora nos dizia que "não se podia comer carne de animais que têm sangue, em respeito ao sofrimento de Cristo". Eu escutava aquilo em silêncio e lembrava de ver meu pai limpando peixes às vezes e, ao serem cortados pela faca ainda meio vivos, eles se debatiam em sofrimento e eu via que saía muito sangue deles também. Alguma coisa estava errada...
Na Bíblia Cristã não há nenhuma norma ou orientação no sentido de que se comam somente peixes nesta época do ano. Então de onde teria se originado esta prática?
 Na verdade, foi somente ali pelo final do século XV (1470 até 1480) que a Igreja Católica repentinamente instituiu que as "carnes vermelhas" deveriam ser evitadas em respeito ao sofrimento do Senhor e em sinal de humildade (pescados eram muito baratos nesta época, sendo a base das refeições dos mais pobres). Ocorre que neste período a maior frota de barcos pesqueiros de bacalhau e de outros pescados era de propriedade do Vaticano, que monopolizava esse comércio. Como a pesca estivesse muito abundante, os armazéns estavam abarrotados e era preciso encontrar uma forma de vender todo o pescado excedente, uma vez que o peixe, mesmo salgado, tem um período de validade relativamente curto.
Engenhosamente, os padres declararam que a partir daquela data "seria grave pecado" comer carnes vermelhas, devendo as pessoas durante o tempo da quaresma consumir apenas pescados. O resultado foi excelente: os depósitos de pescados se esvaziaram e, em contrapartida, os cofres do Vaticano se encheram. De dinheiro. Uma jogada de mestre cujos resultados e fins mercantilistas permanece até hoje, graças à lavagem cerebral promovida continuamente pela Igreja nos seus fiéis e pelo apelo que a religião possui no imaginário popular.
Em face de tudo isto, quem acaba sempre pagando o pato são os pobres dos peixes. Sim, porque do ponto de vista biológico, um peixe sofre tanto quanto um boi, galinha, porco ou qualquer outro animal, ao ser morto. Quando retirado de seu ambiente natural, a água, e golpeado com paus ou facões, o animal sente exatamente o que se imagina que ele sinta: sofrimento, dor e desespero ao ser privado do oxigênio, elemento que só consegue retirar do ambiente aquático.
Nos dias presentes, comer peixes na "Sexta-feira Santa" é mais do que uma tradição, é uma obrigação. Ai de quem não o fizer! Corre-se o risco de "ir pro inferno" sem escalas. Agir de forma mesquinha todos os outros dias do ano, fazer maldades, ser dissimulado, falso, incitador de ódio etc, tudo isso é permissível, afinal depois é só pedir perdão a deus que estará tudo bem. Ah, quanto a comer um bom bife ou churrasco amanhã, não pode não viu, é pecado...

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