Deve fazer uns vinte anos que
assisti Laranja Mecânica pela
primeira vez. O filme mais icônico e mais lembrado do cineasta Stanley Kubrick
me causou grande inquietação. Na minha ingenuidade e inexperiência, fiquei
imaginando se em algum tempo e lugar do passado, presente ou futuro poderia
existir tal forma de violência. Com suas tomadas e seus planos milimetricamente
estudados, Kubrick nos mostra uma realidade sombria, com ruas dominadas por
gangues brutais onde o extravasamento da violência em suas formas mais extremas
é um dos maiores prazeres que se pode sentir.
Hoje, duas décadas depois, muito
do que foi profetizado pelo genial diretor parece estar se materializando em
muitas partes do mundo, inclusive no Brasil. A falência das instituições públicas
e o crescente desprezo pela vida e pela dignidade humanas desembocou num estado
de caos social em que praticamente tudo é permitido. Esquecido e abandonado
pelo Estado, o cidadão comum se debate em meio às injustiças sem fim de cada
dia, sem que encontre amparo legal.
De outra forma, nossos gestores, aqueles
que deveriam zelar e proteger a sociedade a partir de seus pilares
fundamentais, regozijam-se com as benesses do dinheiro público e elegem eles
mesmos prioridades que deveriam ser escolhidas por todos nós. A construção de
mais e melhores hospitais e escolas, bem como a ampliação e melhoria de nossas
estradas e a valorização profissional dos servidores cede lugar à realização de
megaeventos esportivos que consomem bilhões e bilhões de reais. Gasta-se
fortunas babilônicas para maquiar e travestir o Brasil de pujante e poderoso
enquanto nas nossas ruas e casas as pessoas continuam a morrer de forma
estúpida e desnecessária.
O crescente acesso aos meios
digitais e à internet, que deveria contribuir para disseminar o conhecimento e
a solidariedade, tem se mostrado um instrumento valioso em prol do preconceito
e da organização de grupos criminosos. Tragédias como a que vitimou o
cinegrafista da Rede Bandeirantes já se tornaram rotineiras e se banalizaram,
tal a quantidade de crimes que ocorrem a cada minuto pelo país afora e que
assumem nuanças por vezes inacreditáveis.
Ao contrário do que apregoam as
chamadas publicitárias sensacionalistas veiculadas pelo governo, que não se
cansam de mostrar um país de paisagens exuberantes e seu povo "trabalhador
e hospitaleiro", o Brasil está na UTI e respira com ajuda de aparelhos.
Produzimos milhões de barris de petróleo anualmente, porém temos o combustível
mais caro do mundo. Nossa rede de celular e internet é caríssima e os serviços,
péssimos. Nossas estradas e aeroportos estão em estado de calamidade. Não temos
Educação, temos educação. A julgar pelo que se vê diariamente ao nosso redor, o
país fictício imaginado por Kubrick para seu filme bem que poderia ser o nosso.
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