quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O que nos torna humanos?



Faz muito tempo que os antropólogos tem se perguntado sobre o que fundamentalmente, nos diferencia dos outros animais. O que nos torna humanos? Durante o século XVII, surgiram alguns casos, aparentemente bem documentados e pesquisados, de crianças que por algum motivo foram afastadas do convívio humano, tendo crescido na companhia de animais como lobos ou macacos.
Depois de terem sido resgatadas e trazidas novamente à civilização, essas crianças apresentaram grandes dificuldades em seu desenvolvimento, principalmente no que se refere à capacidade de aprender a articular os sons que mais nos caracterizam como espécie, a fala. Hoje, estudos nesta área sugerem que existe um período crucial para o aprendizado da linguagem humana, que vai dos 3 aos 5 anos de idade. Se um indivíduo passar estes anos sem a companhia de outros humanos, dificilmente conseguirá aprender a falar. Parece existir uma janela aberta durante este tempo, que logo depois se fecha, impossibilitando ou pelo menos dificultando ao extremo o desenvolvimento desta habilidade.
Relatos de estudiosos que acompanharam e pesquisaram o comportamento dessas crianças, dão conta de que sua forma de agir se assemelhava quase que totalmente com os modos das espécies animais com as quais tinham convivido. Ao se verem presos em um ambiente fechado, por exemplo, arranhavam a porta na tentativa de sair, uivavam como cães e andavam de quatro. Recusavam-se a usar roupas e preferiam passar a maior parte do tempo ao ar livre ao invés de ficar dentro de casa. Tal padrão de comportamento nos leva à constatação de que o imenso conjunto de características que apresentamos na vida em sociedade se desenvolve em decorrência da convivência com outros humanos.
É como se fôssemos uma folha em branco, esperando para ser escrita. Nosso comportamento, formas de agir e de pensar são gravadas de forma permanente por aqueles que nos criam e protegem. De nossos pais herdamos muito mais do que traços fisionômicos. Herdamos suas convicções, crenças, ideologias, inseguranças e até seus desejos mais profundos. Quantas vezes escutamos um jovem falar: “quero ser médico, porque meu pai sempre quis ser médico e nunca teve oportunidade para isso. Quero dar continuidade ao sonho dele”.
Essa necessidade de convivência com outras pessoas e de partilhar experiências significativas, crenças e desejos é que acabou por moldar a sociedade humana, tornando-a exatamente como a conhecemos hoje. Em qualquer lugar onde exista um agrupamento humano, só poderá acontecer desenvolvimento e avanços se houver troca de experiências, de medos e de inquietações. Desde atividades muito simples como o cultivo da terra ou a criação de animais, até as mais complexas, como o comércio ou a política, tudo acontece a partir da interação entre os indivíduos. Nada surge do individualismo, do egoísmo e muito menos do comodismo em que muitas vezes preferimos ficar.
Esta semana participei de conferências e seminários para o aprofundamento dos debates sobre a reestruturação do Ensino Médio, proposta pelo governo gaúcho, tal como previsto na legislação e que terá que ocorrer em todos os estados do Brasil, mais cedo ou mais tarde. Tal como eu vinha discutindo antes, quando me referi ao caso das crianças selvagens, pude sentir na prática o quanto o isolamento nos diminui e nos faz pequenos. Trancafiados nas nossas vidas particulares ou limitados ao mundo do nosso ambiente de trabalho, aos poucos vamos perdendo nossa identidade, nossas perspectivas e objetivos.
A oportunidade de debater, dialogar e entrar em contato com outras realidades, nos faz perceber que não estamos sozinhos. Faz-nos enxergar que os problemas que enfrentamos e dos quais tanto reclamamos, muitas vezes são pequenos e fáceis de resolver quando comparados aos de outras pessoas. Quando trocamos experiências de trabalho e de vida, nos humanizamos e todo um novo conjunto de significados se descortina diante de nós. Como acontece com as crianças selvagens, aos poucos saímos da floresta densa da nossa ignorância e buscamos novos saberes, novas práticas, novas soluções para velhos problemas.

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