
Simplesmente lamentável o artigo publicado pelo jornal Zero Hora do último sábado, intitulado “Chega de educação progressista”. Num texto cheio de inverdades e distorções históricas, seu autor critica e condena tudo o que foi pensado sobre Educação nos últimos 30 ou 50 anos, argumentando que o modelo educacional atualmente praticado no país, conduz à “formação” de analfabetos funcionais.
Não temos a melhor escola pública do mundo, mas estamos sim no caminho certo. A crença de que a boa educação recebida na escola é aquela em que se decora conteúdos, reprova-se alunos aos borbotões e pune-se com rigor militar o menor deslize cometido pelo aluno, é fruto de uma herança histórica em que a realidade era outra, a finalidade da educação era outra, e os interesses da sociedade eram outros. Naqueles tempos idos, é preciso lembrar, não existia telefone celular, redes de satélites de comunicação, fornos de microondas nem internet. Os aparelhos de TV eram imensas caixas cujo painel era de madeira, e eram em preto e branco. Nas cidades, com exceção dos grandes centros, o meio de transporte principal era o cavalo, as carroças e charretes. As crianças brincavam de cavalinho usando cabos de vassoura ou então escorregavam pela grama em cima de “canoas” feitas com palha de coqueiro.
Nessa época, a criança que não decorasse a tabuada, ficava sem recreio ou então levava “reguada” nas palmas das mãos. Ganhar algum castigo na escola era até enobrecedor, era algo que dignificava. Muitos que estudaram nesse tempo contam até com certo orgulho dos castigos que receberam. Pouco importa se hoje nem lembram de nada daquilo que aprenderam. As pessoas não eram educadas, pelo menos não da forma como hoje se trabalha e se acredita. Eram domesticadas. Precisavam ser assim para que mais tarde se enquadrassem à força na sociedade vigente.
Sem contar que praticamente qualquer pessoa podia ser professor, nem era preciso ter formação ou conhecimento, bastava “ser durão”, fazer cara de mau. A quantidade de assuntos ou conteúdos que se aprendia eram infinitamente menores do que hoje. Nas escolas, só se contava com o saber do professor, que era bastante limitado, e com livros muitas vezes com décadas de editados. Quando se aprendia algo, a ciência já tinha superado aquele conceito, já tinha evoluído.
Hoje, a escola dispõe de fontes muito maiores de informação e de saber. Alunos e professores não precisam mais “mendigar” um pouco de conhecimento. A informação e o saber estão em toda parte, basta que se busque, que se procure. Se, como diz o autor do texto de Zero Hora, as pessoas não conseguem mais ser selecionadas para um emprego ou passar num vestibular, não é porque o conhecimento diminuiu, mas porque a concorrência aumentou enormemente! Antigamente, de acordo com o modelo tradicional de educação, a escola e o professor tinham a obrigação de direcionar, de mostrar todos os caminhos, de fornecer todas as respostas. Hoje, mais do que ensinar um “plano de conteúdos”, a escola e o professor precisam privilegiar a cultura, em todas as suas formas. Mais do que fornecer respostas, é preciso ensinar a formular perguntas.
O professor hoje não pode ter conhecimento somente da sua disciplina e se dar por satisfeito com isso. Além da sua matéria, é necessário conhecer atualidades, política, geografia, temas em discussão no mundo, música, cinema, artes, história, ciências em geral. E claro, precisa transitar com tranquilidade por todos esses assuntos na sua aula, se necessário. Mas para isso, é preciso gostar e principalmente se dar conta de que “os tempos são muito outros”. As enormes TVs em preto e branco deram lugar às telas fininhas de LED, a notícia que levava um mês para chegar até a minha casa, agora chega em segundos, quase na hora mesmo em que acontece. As crianças e adolescentes há muito tempo trocaram os carrinhos de madeira ou plástico pela tela luminosa do computador, por onde se conectam com qualquer lugar do planeta.
No mundo aí fora, as oportunidades até aumentaram, mas é preciso buscá-las, lutar por elas. O aluno precisa aprender a ser perseverante, ter autonomia e sobretudo gostar de estar na escola e de estudar, e isso só pode ser conseguido num ambiente onde as pessoas se sintam bem, se relacionem bem uns com os outros e tenham liberdade para debater temas de seus interesses, sem necessariamente estarem presos a blocos de conteúdos.
Nesse contexto de dinamismo do mundo atual, pensar em uma escola que pune, que castiga e que premia aqueles que conseguem decorar um livro inteiro, é como pensar em retornar a um tempo em que havia dinossauros.
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