No domingo, à espera pelo show de Paul McCartney na capital gaúcha, eu me lembrava daquelas imagens em preto e branco, meio granuladas pela passagem dos anos, das primeiras apresentações dos Beatles no Cavern Club ou em programas de TV pelo mundo afora. Enquanto o filme passava na minha cabeça, ficava imaginando como seria, o que eu sentiria quando o espetáculo finalmente começasse.
Literalmente cozinhando sob o sol inclemente daquela tarde histórica, nos sentíamos parte de algo único. Ao olhar para a fachada do enorme estádio bem na minha frente, me dei conta de que seria a primeira vez que eu entraria ali. Os portões cerrados, trancados com enormes correntes e guardados por seguranças, eram a promessa de que algo grandioso nos esperava. Um colega de show, entre um gole de água mineral e outro, me assegurava que “não se compra ingresso para ver Paul McCartney, se compra ingresso para entrar pra história.” Dizia ele ainda que daqui uns 50 anos, nossos netos dirão assim: “Os Beatles mudaram a história da música cara! Muitos anos depois que a banda já tinha acabado, um deles, o Paul, chegou a fazer show aqui na capital. Meu avô tava nesse show!!”
Ao ouvir essas palavras de um cara que sabia tudo de Beatles, foi que me dei conta da importância do show que estava por vir. Foi nesse preciso momento que “caiu a ficha”. Era a sensação de estar vivendo um momento meio surreal, tipo onírico assim, tá ligado?! Paul McCartney, considerado um dos Beatles mais criativos, estava em Porto Alegre, e tocaria pra gente. A sensação de estar ali naquela fila, passando por tantas dificuldades, era a prova do quão importante seria o evento que testemunharíamos. Não há na história da cidade nenhum outro show que possa servir de comparativo, com exceção talvez do de Eric Clapton, nos agora distantes anos 90.
Reunidos ali no espaço apertadíssimo das cancelas de metal ou fora delas, havia um sentimento de irmandade que muito poucas vezes eu tinha presenciado. Meus primos e fiéis escudeiros, assim como eu, mostravam sinais visíveis de cansaço. Ora conversávamos animadamente, ora eu os via em pé, segurando firmemente o guarda chuva, enquanto tiravam um cochilo! Um pai que também tinha trazido seu filho adolescente, e com o qual rapidamente eu fiz amizade, me disse que “tinha que trazer o guri, que era o melhor dos presentes que poderia dar a ele.” Sentado ali com cara de cansaço e sono, o garoto vestia uma camiseta com a estampa do filme “Yellow Submarine” e comia um picolé de abacaxi. Tudo era bom humor e felicidade. Estávamos ali, debaixo de todo aquele sol escaldante já durante horas e horas, e sabíamos que milhares de pessoas, no conforto de suas casas, QUERIAM MUITO estar ali. Os ingressos colocados à venda tinham se esgotado rapidamente.
Entre divagações, muita água mineral e fotos e mais fotos, me lembro de olhar para meu relógio e ver ali os ponteiros marcando 17:30. Hora de se abrirem os portões. Mas nada demonstrava que haveria pontualidade. Quase esgotada pelo cansaço e pelo sono, a multidão reuniu as últimas forças para entoar um grito apertado no peito, de “Abreee! Abree! Abre!”
Dez minutos depois, os portões se abriram. Tinha chegado o momento tão esperado. Num passe de mágica, todo o cansaço de nossos corpos desapareceu! Passada a rápida revista de praxe, passamos pela roleta e corremos, corremos, corremos, corremos...
Eu nunca tinha chorado durante um show. Isso mesmo: TINHA, porque no domingo passado, no show de Paul McCartney, isso mudou.
Às 21:10, quando as luzes do palco se apagaram e um sorridente Paul McCartney apareceu, saudando a multidão em bom português, as lágrimas rolaram. Por todo o estádio, onde quer que se olhasse à nossa volta, senhoras de mais de 60 anos, jovens e adolescentes estavam de queixo caído, sorrisos largos que logo se transformavam em choro de felicidade.
No palco, aquele senhor-moleque de 68 anos esbanjava carisma e simpatia ímpares, enquanto desfilava sucessos que a galera estava acostumada a ouvir já há uns bons 40 anos ou mais, sem nunca ter tido a oportunidade de ver o artista em pessoa, bem ali na nossa frente. Uma lenda da música, o cara que ajudou a dar vida e poesia ao rock, levava aquela multidão de 52 mil pessoas ao êxtase.
E não foram poucos os sucessos: 36 músicas em 3 horas de show. Não se tinha tempo nem para se recompor de uma música e já vinha a próxima. “Oi, tudo bem?! Boa noite Porto Alegre!”, e tome “All my loving!”, “Letting go” e “Drive my car”. Em dado momento, demonstrando espanto com a animação do público, Paul chegou a soltar um “Mas bah tchê!”, com entonação típica do gauchês, fazendo a multidão gritar muito. Aquilo era mais que um show de rock, era uma celebração. Mas calma, ainda tinha “Band on the run”, “Let it be”, “Hey Jude”, “Yesterday”, e muitas, muitas outras.
Antes de executar “My love”, Paul disse: “Eu escrevi essa música para minha gatinha Linda! Mas esta noite, ela é para todos os namorados!”. Como não se emocionar com esta declaração, ainda mais vinda de um homem que durante 30 anos cantou seu amor por uma mesma mulher, sua amada Linda McCartney.
Já passava da meia noite quando uma demorada salva de palmas marcou o final daquela apoteose rockeira. São poucas as vezes na vida em que se pode sentir fazer parte da história. O domingo passado, durante aquelas 3 horas, foi um desses momentos. Ao deixarmos o estádio Beira Rio, podíamos nos sentir plenamente realizados e felizes. Depois de 40 anos de espera, o sonho tinha se tornado realidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário