segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sete Povos das Missões - impressões de viagem



Cresci ouvindo falar dos Sete Povos das Missões. Desde os primeiros anos na escola, a fachada das ruínas de São Miguel era uma imagem constante nos livros e lições de história, porém não passava disso: um cenário sem grande significado em nossas cabecinhas de criança. Depois o tempo passou e aquelas figuras ficaram lá, nas páginas dos livros, esquecidas. Isso foi até a umas semanas atrás, quando fui convidado pelo meu colega, o professor Eleno Ogliari, para participar de uma viagem de estudos que visitaria aqueles sítios arqueológicos, na companhia de duas turmas de alunos do Ensino Médio. Aceitei de pronto, pois meu interesse é sempre grande quando se trata de cultura e História.
Na sexta-feira, dia 14 de junho, por volta de 10:15 da manhã, chegávamos a Santo Ângelo, depois de 5 horas na estrada. Logo de início, a catedral localizada na praça central da cidade nos desafiava com sua imponência, seus altos campanários avermelhados e seu interior ricamente trabalhado. Em cada vitral, em cada entalhe manual, um pouco do passado remoto parecia ganhar vida. Enquanto admirávamos a tudo e fazíamos fotos da bela arquitetura, fiéis entravam em silêncio para orar. A espaçosa praça que emoldura a igreja ainda guarda o mesmo formato da época em que por ali habitavam os guaranis e os missionários jesuítas. Com nossos estômagos já reclamando de fome, tratamos de almoçar enquanto aguardávamos ansiosamente pela visita a São Miguel, localizada a poucas centenas de metros.
Diferentemente dos outros sítios dos Sete Povos, São Miguel é um parque turístico que faz parte do Patrimônio da Humanidade, recebendo inclusive ajuda da UNESCO. Logo na entrada, as majestosas ruínas da cidadela impressionam por sua grandiosidade. Ao entrar no parque, somos recepcionados por alguns guaranis ainda remanescentes, que hoje vendem artesanato e tiram fotos com os visitantes. O que restou da enorme construção que era a igreja principal, mais parece um castelo, considerando-se o seu tamanho. Levou cerca de três anos para ser construída, tendo seu auge lá pelos anos de 1740. O local todo é enorme, tendo-se em vista que ao redor da capela funcionavam escolas, ateliês de artesanato dos padres jesuítas, locais onde se ensinava canto sacro e lírico e muitas casas de moradia, pois a comunidade inteira abrigava um contingente de milhares de índios guaranis.
Ao se caminhar por entre o que restou das construções centenárias, parece que a qualquer momento vamos topar com um padre jesuíta ou com as alegres crianças guaranis, cantando suas músicas e danças cerimoniais. Aquelas imagens quase esquecidas das aulas de história de repente ganham vida em minha mente, trazendo de volta o passado do Rio Grande do Sul, com suas glórias e sangrentas batalhas. Passamos duas horas no local, admirando e explorando cada cantinho, tentando entender e dialogar com aqueles dias hoje tão distantes.
Por volta das 16 horas chegamos ao Santuário do Caaró, local não muito longe dali, onde três missionários foram sacrificados pelos guaranis em 1628, enquanto tentavam realizar seu trabalho de conversão daquele povo à religião católica. No lugar do martírio dos padres existe hoje uma pequena capela, um memorial que serve também de local de oração e uma trilha que conduz até o lugar exato onde ocorreram as mortes. É impossível caminhar por este lugar sem imaginar e sentir um pouco como a vida devia ser difícil naquele tempo, com tantas limitações, falta de recursos e pobreza. Fico pensando por quantas provações devem ter passado estes padres, europeus que de repente se viram numa terra totalmente desconhecida e hostil, povoada por tribos de indígenas nem sempre amigáveis.
Já no fim do dia, com o céu cinzento ganhando tonalidades ainda mais escuras, chegamos às ruínas de São Lourenço, depois de percorrer alguns bons quilômetros de estradas de terra vermelha e poeirenta. Por aqui pouco restou. Apenas alguns trechos das paredes de pedra, agora já tomadas por grandes árvores que a tudo encobrem com suas grossas raízes. Na entrada do lugar, um rebanho de alegres ovelhas pasta calmamente, conferindo um ar de bucolismo e nostalgia à paisagem. O pequeno cemitério ao lado das ruínas parece saído de algum filme velho, ainda rodado em preto e branco. Algumas das sepulturas antigas já desabaram, deixando à vista restos humanos e até mesmo trapos das roupas que usavam. Andar por ali nos faz lembrar que assim também acabaremos, que todo ser vivo um dia há de morrer, trazendo ao mesmo tempo o renascimento e a renovação.
Encerrando esta viagem de estudos, retornamos uma última vez a São Miguel, agora para acompanhar uma espécie de teatro a céu aberto, em que refletores se acendem por entre as ruínas de pedra, enquanto vozes gravadas e uma bela trilha sonora nos contam sobre os dias gloriosos da velha Missão. Durante mais de 40 minutos, ficamos sabendo sobre sua construção, organização e modo de vida, bem como a derrocada final, com a morte do chefe índio Sepé Tiarajú e completa destruição do lugar pelas forças portuguesas e espanholas, em 1756. O espetáculo todo é pleno de dramaticidade e emoção, para aqueles que estão devidamente preparados.
Calmamente todos se levantam e deixam o parque já reclamando do frio que aumenta com o avanço da noite, porém satisfeitos e sabedores de que um capítulo importante de nossa história será a partir de agora visto de forma muito diferente. De repente, muito mais do que ler sobre os Sete Povos das Missões, todos sentimos que a História saiu das páginas dos livros para se fazer parte de cada um de nós.

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