Cresci
ouvindo falar dos Sete Povos das Missões. Desde os primeiros anos na escola, a
fachada das ruínas de São Miguel era uma imagem constante nos livros e lições
de história, porém não passava disso: um cenário sem grande significado em
nossas cabecinhas de criança. Depois o tempo passou e aquelas figuras ficaram
lá, nas páginas dos livros, esquecidas. Isso foi até a umas semanas atrás,
quando fui convidado pelo meu colega, o professor Eleno Ogliari, para
participar de uma viagem de estudos que visitaria aqueles sítios arqueológicos,
na companhia de duas turmas de alunos do Ensino Médio. Aceitei de pronto, pois
meu interesse é sempre grande quando se trata de cultura e História.
Na
sexta-feira, dia 14 de junho, por volta de 10:15 da manhã, chegávamos a Santo
Ângelo, depois de 5 horas na estrada. Logo de início, a catedral localizada na
praça central da cidade nos desafiava com sua imponência, seus altos
campanários avermelhados e seu interior ricamente trabalhado. Em cada vitral,
em cada entalhe manual, um pouco do passado remoto parecia ganhar vida.
Enquanto admirávamos a tudo e fazíamos fotos da bela arquitetura, fiéis
entravam em silêncio para orar. A espaçosa praça que emoldura a igreja ainda
guarda o mesmo formato da época em que por ali habitavam os guaranis e os
missionários jesuítas. Com nossos estômagos já reclamando de fome, tratamos de
almoçar enquanto aguardávamos ansiosamente pela visita a São Miguel, localizada
a poucas centenas de metros.
Diferentemente
dos outros sítios dos Sete Povos, São Miguel é um parque turístico que faz
parte do Patrimônio da Humanidade, recebendo inclusive ajuda da UNESCO. Logo na
entrada, as majestosas ruínas da cidadela impressionam por sua grandiosidade.
Ao entrar no parque, somos recepcionados por alguns guaranis ainda
remanescentes, que hoje vendem artesanato e tiram fotos com os visitantes. O
que restou da enorme construção que era a igreja principal, mais parece um
castelo, considerando-se o seu tamanho. Levou cerca de três anos para ser
construída, tendo seu auge lá pelos anos de 1740. O local todo é enorme,
tendo-se em vista que ao redor da capela funcionavam escolas, ateliês de
artesanato dos padres jesuítas, locais onde se ensinava canto sacro e lírico e
muitas casas de moradia, pois a comunidade inteira abrigava um contingente de
milhares de índios guaranis.
Ao se
caminhar por entre o que restou das construções centenárias, parece que a
qualquer momento vamos topar com um padre jesuíta ou com as alegres crianças
guaranis, cantando suas músicas e danças cerimoniais. Aquelas imagens quase
esquecidas das aulas de história de repente ganham vida em minha mente,
trazendo de volta o passado do Rio Grande do Sul, com suas glórias e sangrentas
batalhas. Passamos duas horas no local, admirando e explorando cada cantinho, tentando
entender e dialogar com aqueles dias hoje tão distantes.
Por
volta das 16 horas chegamos ao Santuário do Caaró, local não muito longe dali, onde
três missionários foram sacrificados pelos guaranis em 1628, enquanto tentavam
realizar seu trabalho de conversão daquele povo à religião católica. No lugar
do martírio dos padres existe hoje uma pequena capela, um memorial que serve
também de local de oração e uma trilha que conduz até o lugar exato onde
ocorreram as mortes. É impossível caminhar por este lugar sem imaginar e sentir
um pouco como a vida devia ser difícil naquele tempo, com tantas limitações,
falta de recursos e pobreza. Fico pensando por quantas provações devem ter
passado estes padres, europeus que de repente se viram numa terra totalmente
desconhecida e hostil, povoada por tribos de indígenas nem sempre amigáveis.
Já no
fim do dia, com o céu cinzento ganhando tonalidades ainda mais escuras,
chegamos às ruínas de São Lourenço, depois de percorrer alguns bons quilômetros
de estradas de terra vermelha e poeirenta. Por aqui pouco restou. Apenas alguns
trechos das paredes de pedra, agora já tomadas por grandes árvores que a tudo
encobrem com suas grossas raízes. Na entrada do lugar, um rebanho de alegres
ovelhas pasta calmamente, conferindo um ar de bucolismo e nostalgia à paisagem.
O pequeno cemitério ao lado das ruínas parece saído de algum filme velho, ainda
rodado em preto e branco. Algumas das sepulturas antigas já desabaram, deixando
à vista restos humanos e até mesmo trapos das roupas que usavam. Andar por ali
nos faz lembrar que assim também acabaremos, que todo ser vivo um dia há de
morrer, trazendo ao mesmo tempo o renascimento e a renovação.
Encerrando
esta viagem de estudos, retornamos uma última vez a São Miguel, agora para
acompanhar uma espécie de teatro a céu aberto, em que refletores se acendem por
entre as ruínas de pedra, enquanto vozes gravadas e uma bela trilha sonora nos
contam sobre os dias gloriosos da velha Missão. Durante mais de 40 minutos,
ficamos sabendo sobre sua construção, organização e modo de vida, bem como a
derrocada final, com a morte do chefe índio Sepé Tiarajú e completa destruição
do lugar pelas forças portuguesas e espanholas, em 1756. O espetáculo todo é
pleno de dramaticidade e emoção, para aqueles que estão devidamente preparados.
Calmamente
todos se levantam e deixam o parque já reclamando do frio que aumenta com o
avanço da noite, porém satisfeitos e sabedores de que um capítulo importante de
nossa história será a partir de agora visto de forma muito diferente. De
repente, muito mais do que ler sobre os Sete Povos das Missões, todos sentimos que
a História saiu das páginas dos livros para se fazer parte de cada um de nós.
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