
Em grande parte, somos nós mesmos os
culpados pelo desenvolvimento dessa mentalidade canhestra. Adoramos posar para
fotos eternamente com um livro nas mãos ou então em frente a enormes estantes
cheias de livros ou ainda ambos. Quando vemos um médico dando entrevistas ou
falando sobre o seu trabalho jamais o veremos ao lado do paciente numa sala de
cirurgia, segurando um dedo amputado ou um pulmão canceroso, enquanto sorri
para a câmera. Não sei de onde o escritor tirou essa ideia fixa, essa obsessão
por mostrar que vive sempre lendo ou escrevendo. É natural que as pessoas se
sintam deslocadas, afinal mostrar que se lê e escreve num país de não leitores é
como falar das vantagens e benefícios do vegetarianismo numa comunidade de
canibais.
Por estranho que pareça, adoramos falar
do aspecto humano da literatura, mas parece que esquecemos que o somos. Está na
hora de nos desnudarmos, pelo menos um pouco e mostrar que não viemos de algum
recanto perdido da galáxia, que somos indivíduos comuns como quaisquer outros,
porém com uma visão um pouco mais apurada sobre o mundo e a vida. Em nossas
palestras, esforçamo-nos tanto para mostrar o aspecto prazeroso da literatura,
mas parece que nossa vida não possui qualquer prazer ou lazer, que somos
obrigados a devotar toda a nossa existência aos livros, vivendo numa espécie de
ilha intelectual cercada de escritores por todos os lados.
Se
quisermos que o público perceba o quanto a leitura e a escrita trazem
benefícios e nos engrandecem como seres humanos, é preciso mostrar que além de
ler e escrever também vamos ao supermercado, cozinhamos, recolhemos o lixo ou
lavamos pratos. O caráter universalizante da literatura se dá justamente pelos
traços que nos tornam comuns e que nos unem aos demais seres humanos, nunca
pela exclusividade, pela extravagância ou pela excentricidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário